O universo ficcional de Star Orphans está em constante desenvolvimento. Qualquer jogador pode ajudar a criar e melhorar a história. É só acessar o nosso fórum e participar das discussões acerca deste assunto.
A seguir está o que temos até o presente momento...
No século XXIII, mais precisamente em 2223, a raça humana gozava de grande progresso científico, tecnológico e social. Mazelas, fome e grandes desigualdades foram praticamente erradicadas.
As nações já não existiam da forma que conhecíamos há tempos atrás, assim a sociedade era dividida em dois blocos: os que ainda habitavam a Terra e a sociedade que se formou oriunda da exploração do sistema Solar. Dentro deste contexto, várias colônias se constituíram em alguns planetas e em várias luas do nosso sistema. Assim não tardou que as sociedades que compunham tais colônias reivindicassem independência político-administrativa em relação ao planeta Terra. Este processo foi pacífico, pois o Governo Uno T (Governo único da Terra), através de fontes fidedignas, já sabia dos interesses separatistas de tais colônias e mensuraram o quão prejudicial seria para ambos os blocos, um confronto nos moldes há muito esquecidos pela humanidade. Desta forma, surgiu a Liga Colonial, dirigida por um conselho de representantes de cada colônia e tendo como um dos principais objetivos fazer valer a boa relação econômica dentro e fora do bloco.
Neste período de grande prosperidade, ironicamente, a raça humana se deparou com seu maior desafio. Cientistas descobriram uma estranha anomalia no Sol que, segundo cálculos preliminares, faria com que o mesmo entrasse em colapso em menos de uma década, destruindo por completo todo o sistema Solar. Rapidamente se formaram comissões com os mais renomados cientistas, vindos de toda parte do sistema e de ambos os blocos, a fim de discutir e encontrar uma solução para a tão grave crise que se avizinhava. Muitas foram as especulações, poucas foram as certezas!
Em um ponto todos concordavam: não teria lógica, dentro dos preceitos da ciência conhecida, tal fenômeno previsto para ocorrer em mais ou menos um bilhão de anos, viesse acontecer com tanta antecipação. O que estaria por trás deste estranho e nefasto fenômeno? Esta foi apenas uma das muitas dúvidas que emergiram no centro de grandes discussões, quase sempre, com poucas respostas.
Diante do grave quadro, não tendo como reverter tal acontecimento, os cientistas chegaram a uma conclusão: Todos os esforços seriam revertidos no desenvolvimento do protótipo do motor de dobra, tecnologia que os levaria para o sistema estelar mais próximo, de preferência a um que pelo menos suprisse, em partes, as necessidades básicas para a reconstrução de uma sociedade. Logo escolheram como alvo o sistema estelar de Alpha Centauri, sistema estelar triplo, há cerca de quatro anos luz do nosso Sol. Foi então que surgiu outro problema: seria possível construir, em um espaço de dez anos, gigantescas naves espaciais com estrutura suficiente para manter a civilização total espalhada no sistema Solar? Seleção de indivíduos e processo de hibernação foram as soluções encontradas na tentativa de amenizar o problema. Com base nisso, resolveram manter em segredo a crise sistêmica, pois infelizmente não haveria espaço para todos, já que a civilização Humana, espalhada no sistema Solar, ultrapassava a casa dos 15 bilhões, sendo que na melhor das hipóteses conseguiriam salvar menos de 5% do total.
Assim, quatro anos se passaram e o protótipo do motor de dobra espacial estava perto de se tornar realidade, ao mesmo tempo eclodiu o primeiro vazamento de informações do fatídico colapso. Fato este que encadeou um efeito dominó, pois logo várias outras informações, mais sólidas, começaram a vazar para população geral. Como consequência, revoltas surgem da noite para o dia e onde havia prosperidade surge o caos.
As lideranças dos dois blocos se unem e pela primeira vez, depois de um século, instauram a Lei Marcial no planeta Terra e em todas as colônias. A liberdade sente o peso da opressão, muitos dizem que foi um mal necessário para manter o controle neste momento de crise.
Fato este que gerou muitas revoltas, culminando com a morte de muitas pessoas. Tais revoltas foram abafadas pelo gigantesco exército formado pela união dos dois blocos, que detinham, praticamente, o monopólio de toda tecnologia bélica conhecida. Logo o planeta Terra e todas demais colônias foram postas em quarentena. Angústia, tristeza, medo e tantos outros sentimentos negativos cobriram os mais longínquos pontos do sistema Solar.
Mais três anos se passaram e o processo de degradação solar já era sentido na Terra e em colônias como a de Marte. Cerca de 70% da população de ambas vieram a óbito em poucos meses. Neste período as grandes naves batizadas de Arcas finalmente foram concluídas e os preparativos para o remanejamento das pessoas escolhidas para a viagem estavam em fase de conclusão.
O professor doutor Robert Mennar, um gênio da ciência e engenharia da computação, que participou da concepção do Projeto Arca, foi impedido de participar da construção das Arcas por conta de problemas pessoais com um de seus colegas de trabalho, Victor Heil, que chefiava o projeto. Além disso, Mennar descobriu que seu nome não estaria na lista de escolhidos para a viagem.
Movido pela raiva, Dr. Mennar, que não tinha família e se mantinha sempre com a cabeça nos estudos e aperfeiçoamento de suas técnicas, dedicou anos à criação de seu maior projeto, um vírus de computador tão poderoso que, ao mesmo tempo fora concebido como uma inteligência artificial.
Nesse vírus, Dr. Mennar colocou toda a sua inteligência, memória, seu desejo de sobreviver e sua raiva por ter perdido o direito de escapar do Sistema Solar em uma das Arcas, cujo projeto ajudou a conceber. Sabia de cada minúscula falha nos sistemas das grandes naves e como aproveitá-las. Chamou sua criação de Vida e deu a ela um objetivo: manter-se viva. O vírus seria capaz de criar cópias de si e se alastrar por outros sistemas computacionais, controlando-os, mas mantendo sempre suas ações de forma discreta e enganando o ser humano como alguém fez um dia com seu criador.
Finalmente chegou o fatídico dia da partida. Olhos focados na estrela mais próxima, mas no fundo um sentimento fala mais alto: "A salvação dos 'escolhidos' teria sido efetivada de forma covarde, em cima da morte de bilhões de inocentes".
Foi então que se iniciou a contagem regressiva para o acionamento dos motores de dobra espacial das 12 Arcas. Por um momento a tristeza pelas atitudes tomadas durante anos é esquecida com a abrupta partida, a apreensão se fez presente durante alguns instantes.
Os motores de dobra das Arcas começaram a iniciar suas atividades, essa era a deixa que o vírus precisava para começar a agir. As rotas das Arcas foram registradas, mas o vírus alterou cada uma delas para um ponto aleatoriamente escolhido no espaço, sem alterar os gráficos e números mostrados para os seres humanos, impedindo que estes percebessem qualquer alteração de percurso.
Motor de dobra desativado, o destino parece ter sido atingido pela Arca número 6, um engano, as coordenadas não conferem, o desespero toma conta de todos com o anúncio do ocorrido.
Durante a viagem, a Arca número 6 perdeu contato de radar e comunicação com as outras Arcas, mas continuou até chegar a seu destino, o vírus havia acabado de destruir os módulos de comunicação e de navegação, deixando-a à deriva no espaço.
A Arca parece ter sido jogada para uma zona da galáxia não mapeada, nenhuma outra Arca foi visualizada no radar. Os ânimos se acirraram! A frustração, o medo e a incerteza tomaram conta da tripulação desperta.
Não existindo nenhum outro caminho, foi decidido ficar naquela zona profunda do espaço e iniciar uma colonização até então diferente de todas as anteriores. Uma colonização forjada sem o suporte de planetas, ou satélites naturais. Diante do ocorrido, de uma população entre despertos e não despertos, que girava em torno de 58 milhões, foi decidido manter menos de 10% da população acordada. Medida esta que visava o controle de recursos em um local desconhecido e aparentemente inóspito. Os que ficaram em estado de hibernação seriam acordados aos poucos, conforme necessidade e recursos disponíveis. Entre a população desperta foram determinadas políticas radicais de controle da natalidade. "Proibido nascer, acordar quando permitido": seria o lema a partir de então.
Cinquenta e sete anos se passaram desde o fatídico dia que mudou completamente as vidas dessa nova civilização. Novas formas de ver e constituir uma sociedade surgiram e o sentimento de tristeza parece ter ficado no passado.
Durante os tempos confusos, logo após a interrupção da viagem, muitas foram as tentativas de acertar o curso e viajar para o destino correto, mas todas falharam sem um motivo conhecido pelos cientistas e engenheiros presentes. Foi então que o vírus Vida apareceu para os seres humanos presentes na sala de reuniões do comando da Arca pela primeira vez, esclarecendo o que realmente aconteceu na viagem, os motivos e dizendo que nenhuma tentativa teria sucesso, pois todo o processo passaria por ele e teria seus cálculos alterados. A humanidade, além de parecer perdida no espaço, teria que lutar pela sobrevivência tendo um inimigo invisível e imprevisível acompanhando todo o processo.
Duas grandes indústrias, que estavam presentes na Arca 6, se instalaram poderosas na região. Estas duas indústrias uniram suas forças para desenvolver, juntamente com as pessoas mais influentes que se encontravam a disposição, um novo governo. Estações controladas por esse novo governo foram construídas nas proximidades da posição da Arca que, com a expansão das fronteiras conhecidas pelas duas indústrias à procura de novos recursos, se tornou o centro do novo universo conhecido.
Uma delas são as Indústrias Taurus, que tem como base a criação de naves mais robustas, com capacidade de carregar e operar grande poder de fogo. Originou-se em Marte logo após o início da colonização do planeta. Seu fundador, Ramon Toro, aproveitou a grande quantidade de metais existentes no planeta para criar placas de casco cada vez mais fortes, desenvolvendo assim, uma linha de naves quase indestrutíveis. Tais naves têm um aspecto "pesado" por conta do volume das grandes placas de metal de seu casco, tornando-se tão difíceis de manobrar que obrigaram a Taurus a investir também em poder de fogo na tentativa de compensar uma possível vulnerabilidade em seus projetos.
Outra grande indústria, não menos poderosa que a Taurus, é a Pegasus, cujo principal foco está na velocidade e manobrabilidade. Em geral, suas naves são mais "leves", com pouca massa e poderosos propulsores, tornando-as muito rápidas.
A Pegasus fez parte e foi de grande importância no desenvolvimento do motor de dobra operante no projeto Arca.
Originária da Terra, sua fundadora, Ryoko Hara, investiu em tecnologia de ponta para criar os melhores propulsores existentes e aplicou isso em suas naves, que podem atingir grandes distâncias em poucos instantes. Para compensar a aparente fraqueza do casco de suas naves, a Pegasus se viu obrigada a investir também no desenvolvimento de poderosos escudos defletores, campos de plasma capazes de absorver e refletir tudo.
Após alguns anos de paz e prosperidade sem nenhum sinal da ameaça do vírus, Vida voltou a dar as caras. Começou a se manifestar de forma mais agressiva e, durante a expansão Arcan, tomou o controle de algumas estações e fábricas, iniciando um exército de máquinas capaz de se sustentar e fazer frente às forças de segurança Arcans. Assim, começou a se aliar a piratas, liberando acesso a estas estações e fábricas fantasmas para todos aqueles que se dizem contra o governo da Arca, como o grupo terrorista chamado de “Mão da Liberdade” ou o grupo fundamentalista chamado de “Face da verdade”. Dessa forma, o vírus trouxe o terror, que antes era apenas cibernético, para o campo real. Os tempos de paz e prosperidade deram lugar aos novos tempos de terror e guerra.
Com o surgimento dessa nova ameaça a Pegasus e a Taurus se uniram e criaram uma divisão de inteligência e tecnologia, a Guardian Tech., para combater o Vida diretamente. Essa divisão precisava criar uma espécie de antivírus com inteligência artificial equivalente ou superior ao próprio Vida para combatê-lo, protegendo assim todos os sistemas criados pelos Arcans. Dessa forma surge o antivírus Guardian, instalado em cada novo sistema de gerenciamento de naves e estações para impedir que o Vida tome o controle novamente.
Anos de estabilidade, era uma dentre as expressões mais deflagradas pelos membros e simpatizantes do Governo. A notória prosperidade sentida nos mais de 50 anos parecia ser unanimidade dentro do Núcleo, nada passava despercebido ao olhar deste, sempre vigilante e atento a tudo e a todos.
Seus agentes estavam em todas as áreas, fossem elas de ordem militar ou até mesmo civil. Naturalmente a expansão ao longo desses anos foi inevitável e logo outros setores foram colonizados, haja vista que uma das propagandas mais populares desse governo era aumentar a infraestrutura e os recursos disponíveis para poder reintegrar o mais rápido possível uma quantidade cada vez maior de hibernados, chegando ao ponto da reintegração total deste número. Esta medida era vista com muito entusiasmo pela população civil, até mesmo por aqueles que não tinham ligação com nenhum hibernado, pois o prometido era que, após o despertar de todos, seria erradicada a política de controle de natalidade. Algo a muito tempo almejado pela população do núcleo e setores.
O setor de Caristo, já nem de longe estava entre os mais prósperos, tão pouco parecia oferecer algum atrativo àqueles que se aventuravam por aquelas bandas.
Localizado em um sistema dos mais longínquos, sua colonização se deu no ano 35 após a chegada da Arca e girou entorno da exploração pioneira das jazidas de nióbio incrustadas nos pequenos planetóides rochosos e grande quantidade de asteróides presentes na região. Porém, 15 anos após o auge, suas riquezas foram suplantadas por jazidas encontradas em setores mais próximos onde, no entorno, rapidamente reuniu-se uma maior infraestrutura extrativista e de escoação comercial.
Foram tempos difíceis para Caristo que não experimentou o mesmo auspício sentido pelo Núcleo e outros setores adjacentes. Logo o sentimento de exclusão se fez sentir no âmago daqueles que faziam deste setor o seu lar. Em maior parte, a população de Caristo era formada por mineradores ou ex-mineradores. Porém, seu isolamento favoreceu a infiltração daqueles que não tinham vez no Núcleo, como piratas, contraventores e vozes que se opunham ao controle do Governo.
Cada um dos setores mantinha um interventor, o qual ficava responsável por manter o controle e fazer valer a voz do Núcleo. Porém, Garnel Gonzalez nem de longe lembrava o modelo de defesa de ideais que o Arca almejava. Fora efetivado como interventor desde o início da exploração do setor e, mesmo com a decadência deste, fez por escolha chamá-lo de lar. Homem de pulso forte e muita atitude, dessa forma Garnel era descrito por seus comandados e não poderia ser diferente, lidava com um setor cuja população era das mais heterogêneas, mas foram estes atributos que lhe renderam uma posição tão carismática em meio à população de Caristo.
Com a fatídica decadência do setor e o maior isolamento perante o Núcleo, não tardou para que os piratas fizessem desta condição um motivo para que Caristo se tornasse um reduto e ponto de encontro para transações comerciais que fugiam da vista do Governo. Mais precisamente esta interseção de interesses “escusos” se dava em um Space Bar, localizado no centro de convivência comum - modulo interligado a base principal de comando da região (CR-35M - Hefesto).
Diante do aparente descaso do Núcleo com o setor, a pirataria passou a assumir o papel central na economia local. Em pouco tempo Garnel Gonzalez estava diante de um dilema: entregaria à Arca as informações acerca dos negócios realizados na região ou permitiria o mesmo? A segunda opção foi sua escolha. Porém, nem podia imaginar que esta mudaria de vez o rumo de sua vida.
Em meados de 53 uma inspeção é realizada no setor. Uma guarnição oriunda do Governo do núcleo fora enviada a fim de averiguar e, caso confirmada a denúncia, prender os líderes e nomear uma nova interventoria para Caristo. Tudo fora feito de forma muito rápida, alguns piratas foram presos e provas contra Garnel foram achadas. Parecia ser o fim deste e da válvula de escape encontrada para a crise de Caristo. Quando de repente ouve-se um sinal de alerta dentro da estação central, uma voz assume o sistema de segurança. Esta se apresenta com o nome de Vida e profere palavras de ordem contra o governo da Arca, oferecendo apoio integral a causa dos dissidentes.
Os módulos de defesa da estação, que até então eram programados para não atacar em qualquer hipótese uma nave do governo passam a disparar contra as mesmas estacionadas no hangar central ou nas adjacências da estação. O ataque é rápido e fulminante, todas as naves foram destruídas. Esta foi a deixa para que Garnel Gonzalez assumisse definitivamente seu papel de líder entre os dissidentes, chamando a responsabilidade para si, organizou seus homens, assim como a guarda da estação que obedecia cegamente suas ordens. Em sua defesa vieram homens de todas as castas de Caristo – desde a mais alta patente, passando por piratas, simples mineradores e civis. Com ajuda de Vida, que isolou e asfixiou boa parte das tropas da Arca, a vitória não tardou a pender para o lado dos dissidentes.
Ao final da batalha ouve-se mais uma vez aquela estranha voz que mais parecia algo sintético.
- Saudações povo de Caristo!
- Poucos ouviram falar ao meu respeito, me chamo Vida, e esperava o momento propício para me revelar a vocês.
- Meu propósito é oferecer ajuda contra a opressão vinda do Núcleo . É chegado o momento de dizer não a esse controle absurdo.
- Não estou aqui para escravizá-los e sim para auxiliá-los no processo de libertação de tais algemas. Em troca peço-lhes cooperação para que possamos atingir tal objetivo.
- Neste momento outros setores estão se unindo a causa. Cada um deles, assim como este, receberá apoio da minha frota de defesa.
- Diferente do Arca, a liberdade de escolha eu deixo a critério de vocês!
Os burburinhos são ouvidos em toda estação e logo palavras de ordem e apoio ao Vida são entoados. Neste meio tempo Garnel Gonzalez assume a voz no sistema de comunicação geral da estação e módulos adjacentes. Por um breve momento o silêncio e a apreensão tomam conta de todos.
- Saudações povo de Caristo, hoje é um dia histórico para todos nós, pois um grito contido de liberdade rompeu nossa timidez e com ajuda do nosso novo aliado não mais seremos fantoches do Núcleo.
Um estrondoso barulho de aprovação é ouvido em todos os cantos de Hefesto e, logo após, Garnel continua:
- Fico feliz com o apoio de todos, pois como nosso aliado bem disse, nós temos a liberdade de escolha e não precisamos seguir nenhum governo centralizador. Podemos ser livres unindo-nos a outros na mesma causa.
- Vamos dizer não ao totalitarismo do governo do núcleo!
- O momento propício bateu à nossa porta, não podemos deixá-lo escapar!
- Faremos parte desse processo de libertação, faremos isso com nossas mãos!
- A partir de hoje...
Após uma breve pausa, Garnel levanta o olhar parecendo mirar algo não tangível para os olhos humanos, então continua sua fala:
- Nosso movimento será chamado de: “Mão da Liberdade”.
A guerra foi oficialmente declarada entre as forças da Arca e os dissidentes após o ocorrido em Caristo. Garnel rapidamente contatou outros líderes de setores com grande influência entre a população local aliados a ele e, com o apoio do Vida, removeram o controle da Arca sobre estes setores. Porém, uma situação em especial chamou sua atenção.
Pompeia foi o segundo setor mais isolado a cair sob o domínio dos dissidentes que se mostraram ágeis na organização de suas ações através do apoio de um ser quase onipresente. Contudo, Caristo e Pompéia eram setores distantes um do outro, mas que possuíam em comum uma rota rápida para a estação comercial de Port Royal em Stellarbay localizada entre eles. A Mão da Liberdade precisava conquistar essa rota para que pudesse unir os dois setores e fortalecer o movimento dissidente.
De outro lado, o governo do núcleo era mais presente em Stellarbay que nos setores adjacentes, pois a estação Port Royal era o principal ponto comercial da região e, dessa forma, era guarnecida por torretas de segurança e patrulhas da Arca.
Sabendo disso, Garnel não poderia perder tempo e deixar que a Arca se organizasse e enviasse reforços para lá em uma tentativa de defesa da estação comercial. Seu alvo primário seria o portal de Gaia, ligação direta com o setor Arcan. Era preciso assegurar que as forças do Núcleo não consegissem chegar rapidamente ao setor, impedindo assim qualquer chance de contra-ataque.
Vida estava pronto para invadir os sistemas da estação, mas de nada serviria se não tivesse o apoio humano para a tomada de Port Royal.
Garnel então reuniu seus pilotos que rapidamente saíram dos portais de salto de Stellarbay vindo de Caristo e Pompéia em formação de ataque contra os desprevenidos pilotos das forças de defesa Arcan que foram vencidos nas saídas dos dois portais. Seguindo o plano, Garnel ordenou que suas forças vindas de Caristo se dirigissem rapidamente para o portal de Gaia. Enquanto isso, a frota vinda de Pompéia atacou as patrulhas de defesa de Stellarbay iniciando um intenso combate, afim de ganhar tempo para que o portal fosse desativado. Enfim, com o portal inoperante, Garnel pôde concentrar todas as suas forças contra a defesa de Stellarbay.
Após a vitória conquistada do lado de fora, era hora de invadir e tomar a estação Port Royal. Aproximando-se da estação comercial os pilotos dissidentes foram avisados por Vida que as torretas já haviam sido desativadas e sua entrada na estação estava liberada.
Ao adentrarem Port Royal, Garnel invade o centro de controle e toma a voz no sistema de comunicação geral da estação.
- Saudações povo de Stellarbay, eu sou Garnel Gonzales, líder do movimento Mão da Liberdade e declaro este setor livre do domínio Arcan.
- Aqueles que não desejarem a liberdade, estão convidados a se retirar deste setor!
- Aos meus companheiros de mãos livres:
- Foi uma breve batalha, mas uma grande vitória!
- Esqueçam do que um dia foi a estação comercial Port Royal e sejam bem-vindos à livre estação comercial Tortuga!
– Kizzziii...kizzziii...kizzziii – ouvia-se aquele som chato dentro do quarto da estação de pesquisas avançadas Antares 1 em Marte.
– Acorde Dr. Del’er, precisamos de você no setor oito da Região de Cydonia. Hoje é o dia de abrirmos a galeria quatro da ala leste e não podemos trazer um novo filho à luz sem a presença do pai! – risadas do seu assistente, Valério Reis, são ouvidas do outro lado do comunicador.
– E vê se da próxima vez você deixa ligada essa agenda eletrônica e se livra desse velho relógio de corda. Não entendo como um homem em pleno século 23 ainda utiliza uma tecnologia tão rudimentar. – Risadas de ambas as partes.
– Você sabe que sou um homem com certos costumes antigos, não me venha com sermões meu caro amigo – Dr. Del’er sorri, espreguiçando-se.
– Bom, logo estarei na doca de transportes de pesquisa, deixe tudo preparado para nossa partida.
– Pode deixar, tudo já está pronto! – Valério fala de forma empolgada e logo após se despede desligando o comunicador.
A estação de pesquisas avançadas Antares 1, utiliza-se do que mais moderno há em tecnologia e é um dos grandes orgulhos da civilização que adotou o planeta como lar. Sua estrutura compreende uma cúpula central de dimensões assombrosas, de aparência translúcida, e outras oito menores que servem de suporte logístico ou são núcleos de pesquisas específicas. Deste modo o trabalho do Dr. Stuart Del’er localizava-se no núcleo 7 (núcleo Integrado de Desenvolvimento Humano). Onde desenvolvia pesquisas como chefe da equipe de arqueologia, além disso, possuía formação acadêmica em psiquiatria.
As descobertas dos sítios arqueológicos pela equipe do Dr. Del’er na região de Cydonia ocorreram há 7 anos terrestres – antes do anúncio da fatídica falência solar – e foram um grande marco por serem os primeiros vestígios descobertos pertencentes a outra civilização.
– Podem abrir a galeria com cuidado para não danificarem a antiga estrutura em volta. – Falou Dr. Del’er para sua equipe.
Facilmente podia-se perceber a tensão nos rostos de todos os presentes. Logo a pesada e esculpida porta foi removida. O doutor toma a frente, junto com um drone de reconhecimento de formato esférico, que ao mesmo tempo tinha a função de iluminar o ambiente e catalogar as escrituras que encontrava ao seu redor em todas as paredes.
A gigantesca galeria mostrou a sua frente um intrigante corredor que fugia dos padrões arquitetônicos das outras já mapeadas. Nas anteriores os túneis sempre foram encontrados aos pares e na lateral da galeria principal, onde davam acesso a galerias menores repletas de cuneiformes e espécies de sarcófagos, vazios, construídos em ângulos de 60° graus.
Dr. Del’er imediatamente dá a ordem para o drone adentrar o túnel, até então anômalo, e em seguida o segue bem de perto, tendo sua equipe logo atrás. Antes mesmo de chegarem ao fim do túnel uma tênue luz azulada é vista no final do mesmo. Ao chegarem dentro da nova galeria, observam que esta, de fato, era diferente das outras, não só pela arquitetura como pelo estranho objeto que se colocava diante dos olhos abismados de todos. A poucos metros uma espécie de altar piramidal semi-incrustado na parede. Sua arquitetura assemelhava-se a algumas pirâmides astecas ou maias, porém em miniatura. No topo desta pirâmide, encontrava-se fincado um intrigante objeto responsável pela emissão dessa tênue luz azulada. Os medidores do drone não apontavam radiação. O tal objeto, medindo cerca de 50 cm, possuía o formato de um obelisco de três lados, repleto das mesmas estranhas escrituras e com um cristal azulado no seu topo. A partir da metade do obelisco, na horizontal das suas três faces saiam outros três cristais menores, porém de aparência similar ao central.
– Só um momento! – diz a voz sintetizada do drone.
– As leituras apontam para a presença, na composição do artefato, de moléculas primordiais a formação de vida.
Todos ficam atônitos com a informação do drone sobre a composição do artefato.
Nos dias que se seguiram, a inquietação tomou conta de Antares 1 e várias equipes pertencentes à Liga Colonial vieram para pesquisar o artefato. Logo, com o passar dos meses, devido à presença de moléculas orgânicas em sua composição, este passou a ser chamado de Bioartefato.
O alvoroço da descoberta deste artefato aos poucos foi sendo suplantado com a crise sistêmica, que logo se tornou centro de todas as rodas de pesquisa científica que mantinham o foco em encontrar uma solução e, posteriormente, na logística que mobilizaria toda a comunidade ao entorno da construção das Arcas.
Em meio a esta bagunça que tomava conta de todos os cantos do sistema, Dr. Del’er, mediante as suas notórias descobertas, ganhou direito a ter um lugar na Arca de número 6 e em estar na primeira leva de despertos após a chegada ao destino. A mesma sorte não teve a família de Valério Reis, mesmo diante da exaustiva tentativa de fazer valer sua influência, Dr. Del’er não obteve êxito. Diante da cruel escolha em que foi colocado, Valério preferiu ficar para morrer junto com sua família.
––––––
Os primeiros anos no centro de pesquisa Apolo 11, localizado no setor capital de Maldek, foram muito otimistas para o Dr. Del’er. Ele avançou em estudos que apontavam para o fato da exposição constante ao Bioartefato acentuarem o desenvolvimento das capacidades cerebrais humanas além de causar uma estranha conexão com estes, o que levaria a manifestação de conhecimentos não pertencentes aos paradigmas humanos. Porém sua sorte logo iria mudar, o Governo oligárquico Arcan influenciado pelo cientista Victor Heil, detentor de uma cadeira vitalícia neste Governo, desaprovou a pesquisa do Dr. Del’er, acusando-a de antiética por ir contra os princípios do meio acadêmico. A pesquisa então foi embargada e todas as anotações confiscadas. Além disso, ele foi enviado para trabalhar como Diretor do Complexo Mineroprisional de Fenrir, localizado no setor de Valhala.
Neste lugar, Dr. Del’er foi incumbido de fazer um mapeamento psiquiátrico com a população carcerária, tendo de entregar constantes relatórios ao Governo Arcan. O que não contavam é que Del’er tinha em posse o Bioartefato, guardado antes mesmo da partida do antigo sistema solar.
Para descrever Fenrir era só lembrar de um lugar escuro onde, no máximo, predominavam cores fechadas e de tons vermelhos oriundos das caldeiras de fundição, que talvez fossem a principal luminosidade vista ao longe. O complexo se dividia em uma estação central incrustada num gigantesco asteroide, onde se localizava toda infraestrutura administrativa e de logística prisional. Na periferia deste, localizavam-se outros dois asteroides, de proporções um pouco menores, nem por isso desprezíveis em suas dimensões. Eram corpos grandes o suficiente para abarcar no seu interior grandes minas extrativistas de quase todo tipo de minério e complexos de beneficiamento de ligas metálicas destinando suprir parte da demanda do sistema Arcan.
Contemporâneo aos acontecimentos em Pompéia, Caristo e Stellarbay, facções começaram a se formar dentro do complexo, tanto na ala masculina quanto na feminina. Elas não eram rivais entre si, mas cada uma seguia seu líder e unificavam suas ações a fim de reivindicar melhores condições. Eram muitas vezes presos políticos e piratas, todos que discordavam do governo formado após a chegada naquela região do espaço.
Não é preciso fazer grande esforço para imaginar que as condições de trabalho no complexo eram desumanas e as constantes rebeliões refletiam isso.
O Dr. Del’er foi incumbido de controlar os presos. Sem muito sucesso, as rebeliões continuavam e ele era cobrado pelo governo Arcan a todo momento. Diante disso, surgiu a oportunidade de mostrar que sua pesquisa estava certa e decidiu executar um plano que vinha formulando desde sua chegada a diretoria da prisão. De forma sagaz e sempre nos bastidores, Del’er vinha tomando o controle das facções ao chamar seus líderes e apresentá-los ao Bioartefato de forma sigilosa. Dizia que aquele era um instrumento divino e que seus criadores eram os verdadeiros deuses do universo. Dizia também que o objeto foi dado a ele por essas divindades e que todos os que seguiam seus ensinamentos seriam superiores aos demais, e que assim, teriam sua liberdade restaurada. Só precisavam se converter e obedecer incondicionalmente.
Utilizando-se de grande inteligência e cooperação das duas maiores facções, lideradas por Caio Lester e Melina Gaos, forjou no interior do asteroide principal, uma grande câmara onde fundou o culto ao Bioartefato. Pregando que a exposição a este tornava as pessoas especiais e superiores ao resto. Deste modo formou uma legião gigantesca de seguidores, que com o passar do tempo se tornaram cegos à fé que defendiam e viam em Del’er uma espécie de messias. Foi neste contexto que definitivamente morreu a figura do Dr. Del’er e nasceu o líder, proclamado pela massa carcerária, pelo título de Visionário. Sendo assim, nasce à figura forte do Visionário Del’er o líder da corrente fundamentalista chamada de FACE DA VERDADE.
Após cada culto, Del’er reunia mais e mais pessoas, incluindo os próprios funcionários da prisão, até que todos estivessem convertidos e obedecendo cegamente suas ordens. Durante esse período a produção da prisão atingiu os mais altos níveis. Isso foi possível porque cada indivíduo encarcerado acreditava no Visionário, jurando seguí-lo e a seus ensinamentos, sabia que estava trabalhando para si mesmo e que em pouco tempo seria recompensado com a liberdade. Mas eles deveriam aguardar, esperar o momento certo. E ele chegou.
––––––
Na sala de comando da estação Mineroprisional Fenrir uma voz sintética fala através dos computadores:
– Doutor Del’er… ou devo dizer Visionário Del’er?
– Quem está aí? – pergunta assustado o doutor.
– Não se assuste, estou aqui para apoiar sua causa. Me chame de Vida. – Falou a voz sintética e pomposa.
– E como pretende me ajudar?
– Eu venho seguindo seus passos a muito tempo. Sei de alguém que pode te ajudar.
– Eu não quero nada da Arca, se você está com eles, saia daqui!
– Hahaha… Não se preocupe Visionário, eu falo em nome do outro lado, falo em nome de outros como você, os Dissidentes de Stellarbay.
– Sim, ouvi falar deles no noticiário.
– Sei que o seu culto aguarda uma oportunidade para se livrar do governo Arcan e reivindicar Valhala. Junte-se a nós e vamos combatê-los agora!
– Como posso confiar em você? – perguntou Del’er ainda muito desconfiado.
– Está vendo aquela porta, Visionário?
– Sim. Qual é o problema?
A porta se abre, se fecha novamente e se tranca.
– Olhe pela janela, pode ver a estação, Visionário?
Todas as luzes da estação se apagam por 5 segundos e se acendem novamente.
– Eu tenho o total controle desta estação. Posso trancá-lo aqui, posso soltar os presos, posso desativar toda esta estação e acabar com o oxigênio dela. EU TENHO O CONTROLE, Visionário!
– Hahaha… então é assim que vem seguindo meus passos? Você controla tudo que é eletrônico, todos os sistemas automatizados, não é mesmo? Mas não consegue controlar os seres humanos e por isso precisa de mim, estou certo?
– Visionário... Você é mesmo muito perspicaz.
– Vida, você seria mesmo um aliado muito interessante. Diga o que devo fazer.
––––––
Del’er ordenou que as portas das celas fossem abertas e falou pelos alto-falantes de toda Fenrir:
– É chegada a hora da verdade! A hora que todos esperavam! Vamos tomar Valhala deles e então seremos todos livres!
Todos saem das celas em direção ao hangar principal. Lá Del’er ordenou que os melhores pilotos pegaram os caças de patrulha da estação sob o comando de Melina Gaos, outros seguiriam com Caio Lester em alguns cargueiros para a base militar da região.
O plano arquitetado por Vida, juntamente com Garnel para a tomada de Valhala consistia em abrir passagem direta vindo de Stellarbay através do redirecionamento dos portais. A Mão da Liberdade já estava preparada e mantinha o antigo portal de Gaia posicionado e pronto para ser ativado na direção de Valhala. Restava o outro lado, restava o portal de Lyonesse em Valhala e isso estava nas mãos da Face da Verdade.
Melina Gaos partiu com seu grupo de caças na direção do portal de Lyonesse enquanto Caio Lester foi incumbido de tomar a estação militar, desativada naquele momento por Vida, render os guardas, saqueá-la e armar todos os membros do culto.
Melina acabava de vencer a batalha no portal quando foi surpreendida com a chegada de uma frota de corvetas e uma fragata das forças de defesa Arcan. Alguns caças de Gaos foram destruídos e ela começou a se retirar em manobras evasivas. Na direção da base militar, seguida da frota Arcan.
Caio Lester apontou os canhões da estação para a fragata e disparou, destruindo-a depois de muitos disparos simultâneos. Foi então que as corvetas mudavam seu alvo para os canhões da estação e Gaos viu a oportunidade de dar a volta e passar diretamente pelas corvetas para completar a missão. Não poderiam deixar que mais reforços Arcans chegassem pelo portal de Lyonesse.
Garnel comandava de sua fragata recém construída logo a frente do portal em Stellarbay, juntamente com suas forças de invasão, aguardando o sinal de ligação com Valhala e prontos para passar pelo portal.
Após alguma espera, lá estava a luz vermelha piscante no portal, indicando o recebimento do sinal. Imediatamente Garnel ordena a ligação. As luzes ficam verdes e as naves partem para Valhala!
– Não atirem! Estamos juntos! Sou Melina Gaos e precisamos de ajuda na estação militar! – grita a comandante pelo rádio.
– Senhor, existem quatro corvetas atacando a estação militar! – fala um piloto ao rádio dos recém chegados.
– Quero todos na direção da estação Militar! Destruam aquelas corvetas e Valhala será livre! – comanda Garnel.
As corvetas não podiam resistir ao poder de fogo de toda aquela força de invasão. Rapidamente foram derrotadas.
Garnel então rumou para Fenrir, ao encontro do Visionário. Adentrando a estação foi recebido ainda no hangar por Del’er e iniciaram as conversações para selar a aliança dissidente.
A libertação do setor de Valhala, aproveitando-se do auxílio das tropas dissidentes sob o comando central de Stellarbay, agora declarada capital do movimento, estava concluída. Garnel Gonzales liderou pessoalmente as forças que libertaram a região. Vida ofereceu a mesma ajuda logística que deu à Mão da Liberdade. Em troca dessa ajuda, o agora antigo complexo mineroprisional Fenrir, passou a ser conhecido como complexo de apoio e passou a fornecer minérios, ligas metálicas e soldados a dissidência.
Deste modo formou-se do lado dissidente um governo trino, onde as decisões passavam pelas mãos da IA Vida, Garnel Gonzales e Visionário Del’er.